Breve apresentação do autor
Fernando Oliveira: Nasceu para os lados de Portugal, Prime, Mozelos, Vila da Feira, Aveiro em 1945, fez jornalismo desportivo enquanto jovem na Oceânia, colaborou em jornais culturais na mesma região. É poeta e tradutor literário para e de o francês, inicia-se neste momento na tradução de poetas hispânicos. Trabalha poeticamente com alguns pintores. É criador do exercício poético (Síntipismo) Tem actualmente um livro de poesia editado em Paris, não pensa editar mais. Editou duas obras colectivas nas Bienais de S. Paulo e Rio de Janeiro (Dez Rostos da Poesia Lusófona) e duas outras em Lisboa ( Elos da Poesia). Tem vivido entre Paris, Rio de Janeiro e Lisboa. Tem cinco assinaturas - pseudónimos - para os seus trabalhos: Ferool, Montefrio, Antanho Esteve Calado, Theófilo de Amarante e Fernando Oliveira.
Sinopse de sono
e granizo no meu leito.
Tinha corrida de cavalos
no quarto.
Depois! milagre.
O vento assoprou, o sol
calou-se,
a chuva rachou o dia.
Os pássaros saíram da minha cabeça...
brincam agora com os frutos da silveira
e os cavalos pastam
na calmaria da planície.
Fernando Oliveira
Honra ou loucura
Vejo com pena o amor virar para o pano imundo
Orgulhoso demais para transigir com a maneira
pelo menos no comportar da ética - traiçoeira
infame e desairosa, como nele as coisas se aceitam
se esboroam no lavrado e; nas mesmas se reeditam
Durante o tempo que vivi no meio da sociedade
acumulando risos de mentira e; choros de verdade.
Quando caminhei pelo mais intimo dela, e; lhe apalpei os segredos das torpezas e das infâmias. Vi muita esposa desonesta e infiel, e; muito marido paciente e resignado. Vi outras ainda mais vis, e; ainda mais torpes.
Corridas nas ruas e nas praças, pelos brados queixosos
com braços gesticulando propósitos teimosos
O enfurecimento dos próprios maridos
escarlates de vergonha, nos olhos incorridos
e depois aceites de novo pelos braços deles
lenhos apodrecidos, de amarelecidas peles
que julgavam satisfeita, a honra por aquele alarido
salvando por um tempo a união. Do mortal aluído
A desonra afogada pelas lágrimas do arrependimento, ou pela negação tenaz e inabalável do cinismo, desfasado e sereno, que se lhes afigurava inocência ofendida!
Vi muitas mulheres solteiras fingirem o amor, a troco de conquistarem o rico, que as pudesse enfeitar de veludos e diamantes, muitas venderam a honra para segurarem um noivo, outras, ainda mais torpes, a troco de uma jóia, que o capricho lhes avultava superior a todas as considerações deste mundo!
Vi destas torpezas
sem fingimentos, cruas certezas
Palpei estas, e; outras chagas iguais
até ao esgotamento, não poder mais
O asco e infâmia, vi essas mulheres serem conduzidas ao altar
com um desprezo do amor, de pasmar
e a inocência resplandecente no rosto
contentes do social composto
A serenidade nos olhos, e; talvez que no coração. As mulheres vi-as assim, e; vi os homens também aceitá-las.
Aparecerem depois ao lado delas, de fronte levantada e altiva, como se nelas a infâmia não tivesse estampado uma nódoa indelével!
O século actual é assim. As suas virtudes essenciais, são oiro e cinismo
fintas de recuo, falsas cólicas de felicidade, tudo menos altruísmo
tudo o bastante para disfarçar a infâmia, e; afrontar com olhos insurgentes
e rostos bastardos, extraídos de intelectos de combinações doentes,
o sorriso escarnecido daqueles mesmos que, admirável contradição,
concorrem para o crédito daquilo que consideram, miserável acção.
Lhe apertam a mão com glória, e; vivem como ele a prática impura
secular comportamento, que nos questiona. Honra ou loucura?!...
Fernando Oliveira
Composição e adaptação poética dum trecho do romance em prosa, de Arnaldo Gama “ Honra ou Loucura 1936 “
Se és filho de antigos
- E não és senão um demais uma enzima do acaso que podre volta para o cais por se ter esgotado o caso -
E o caminho que fizeste é o traçado pelos teus pais, pelos pais dos teus pais e tantos pais que jamais saberás os teus.
Até chegar a Jápeto - que dorme nos braços de Hades, que é correctivo do Caos -
- E não foste que artefacto uma lousa com sinais ténue faísca do facto donde a causa era demais -
És filho de Géa como a cobra, o olho-de-boi e o escorpião, como os indómitos insectos; o teu espelho feminino e os calhaus que cobrem a tua podre Pandora
- E não és que uma coisa metamorfoseada em banal uma régua que em ti poisa ínfima virgula num jornal -
És filho de deuses se fores filho de antigos, que foram filhos de antigos, e eram deuses; farás deuses como te fizeram. És homem-deus, como os deuses foram homens serás antigo, como os antigos foram deuses
A tua existência espalha-se no Chronos, de metamorfose em metamorfose, segundo a sina das três Graças.
Se és filho de antigos, como os antigos, és idiossincrático; marinheiro ou fura-vidas, juiz ou vinhateiro.
E a tua irmã é a deusa do sol, da poupança e da exuberância, da beleza e da discrepância com quem casarás e farás deuses modernos que advirão antigos, para aqueles que são modernos.
Que serão deuses e deusas, que advirão ovos de Pandora e darão lugar a outros deuses, até mais não haver ecos, na caixa de Pandora.
Que perderia a graça, se mais houvera.
Se és antigo, filho de antigos, tão antigos, que as tais Graças; Eufrosina, Aglaé e Tália, que eram as deusas do banquete, da dança, de todas as diversões sociais e das belas-artes. Que eram tuas antigas mães.
És antigo filho destas graças.
Então és filho de antigos, imortal, pai e mãe.
Deus filho da antiguidade.
Montefrio (Fernando Oliveira)
talvez amanhã!...
um pano feito sudário
relata o bulício mental
da noite indigente
a carícia sensual ausente
insinua-se no níveo quadro
a saudade beija o pretexto
e revoga a anarquia do leito
ferool ( Fernando Oliveira )